Padrón... estás perdoado.

Grande estafada até esta cidade próxima de Santiago (falta a etapa final) e sem nada de apelativo. A primeira impressão soa a poluição com uma grande fábrica quase em cima do porto a zunir e fumegar. Fica a fama dos pimentos padrón (...unos pican y otros no...), a passagem dos primeiros peregrinos a cavalo e a imagem acima que captei frente á igreja com a frase emblemática de Camilo José Cela:

el que resiste, gana

Gelo no caminho e salamandra no abrigo.

Esta será a estada menos convencional e mais próxima do espírito peregrino. Estamos aqui 24 almas em verdadeiro convivio multicultural num albergue que parece mais um abrigo de montanha. O "hospitaleiro" mantém isto como se fosse  um refugio, sempre com musica dos anos 80 e cozinhados improvisados para os que optaram pela "pensão completa". O Jorge è camareiro, cozinheiro, dj e "consultor" em ciências da vida. A salamandra mantém isto quente e seca as roupas; o ambiente è realmente digno de filme...

...falta muito para Redondela?

Nunca 32km demoraram tanto a passar... foi uma etapa muito dura (com chuva e vento) que me custou 7h de passadas. 

A partir de agora entro em modo contra-relógio; amanhã saio cedo para Pontevedra e continuo até meio da etapa seguinte. Vou por os pés de molho e beber para aguentar. 

El camino portugués sigue por Galicia

Passei Valença e quase não parei, com chuva e confusão de feiras; passei a velha ponte sobre o Minho (fronteira natural) e só parei no alto de Tui (casco histórico) com uma catedral maltratada mas imponente. O albergue foi enchendo e já esgotou; amanhã tenho que dar corda ás botas para não ter surpresas em Redondela após os 32km.

Um grupo pouco provável...

Estou exausto depois de trepar a Labruja... e não vou acabar em Valença como planeei. Vou ficar em Rubiães para aliviar os pés e lavar alguma roupa. A igreja è muito antiga  (1245) junto a uma via romana. O "grupo" (digno de um filme do Kusturica) refaz-se consoante as forças de cada um; a brasileira da polícia militar desapareceu, o suíço estilo metaleiro acompanhou-me 20km com as alemãs (uma delas com 75 anos), o casal canadiano continua na frente. No albergue reina a língua de Kant com apenas 2 excepções (eu e uma coreana).

Amanhã saio cedo, passo o Minho e só paro em Tui.

Na vila mais antiga do país...

Chegado a esta terra tão marcada pela história e pela natureza, pasmo com a grandeza da velha ponte medieval (apesar de estar muito cansado). Da original construída pelos romanos no Séc.I ainda se vislubram alguns arcos na margem direita junto á igreja, mas a maior parte (16 arcos) foi construída em 1362 sobre o Lima e para durarem ainda muitos séculos. Esta ponte ficava na via romava que ligava Bracara Augusta a Astorga e pode-se comparar a uma autoestrada (275 metros por 4 de largura); pena que já não existam as torres de portagem em ambas as margens. Vou aproveitar para recuperar que a próxima etapa vai ser a doer (serra da Labruja...).

Na cidade do ícone de Portugal

Para quem não conhece a lenda do galo de Barcelos, fica aqui um resumo em poucas linhas. Em tempos muito remotos um galego fazia o Caminho de Santiago vindo do sul e parou em Barcelos. Os "nativos" desconfiaram da fé do estrangeiro e levaram-no á forca; porém, antes do ultimo suspiro pediu que fosse levado á presença do juiz que o condenara. Levado á casa do dito, encontra-o a almoçar com mesa farta e com um galo na travessa, dizendo-lhe: "... Sr. Dr. Juiz é tão certo eu estar inocente e falar verdade, como esse galo cantar na hora do meu enforcamento..."

O juiz e os presentes riram-se mas ninguém tocou no galo e levaram-no de volta ao pelourinho; no momento em que o penduraram, o galo cantou em casa do magistrado e todos correram para evitar o pior. Sorte a do peregrino galego que o nó estava mal laçado e ficou só a espernear; o juiz mandou retirar a corda e deixar que voltasse ao caminho. Voltaria anos mais tarde para erguer monumento ao santo e confirmar a história que ainda se conta. Esta etapa foi um martírio com 7km a mais; em Rates fui aconselhado por um ciclista a seguir pelo trilho errado (caminho da costa).

Vairão em Vila do Conde

O mosteiro de Vairão é uma estrutura muito antiga com 10 séculos de história. Pertencia á Ordem de S.Bento e foi saqueado nos primeiros anos de existência pelos normandos e pelos árabes. Seguiu as regras beneditinas até 1115 e depois desta data passa a mosteiro feminino (não é convento) governado por abadessas. A reforma geral eclesiástica (1834) ditou a extinção de todos os mosteiros e conventos e este passa para a alçada da diocese do Porto; em 1891 encerra com a morte da ultima monja.

Nestes ultimos anos oferece aos jovens e grupos, possibilidade de actividades e férias em harmonia com o albergue para os caminheiros. Ontem fui o primeiro a marcar lugar depois de 5,5 horas a andar com aguaceiros e saraiva. Daqui vou sair cedo para Barcelos.

O caminho começa agora...

Deste adro duro e austero com a Sé do Porto em fundo, parto para a 1ª etapa da viagem e despeço-me da Paula que ainda não acredita nesta aventura...

O "passaporte" já está pronto...

Com este documento, deve o peregrino fazer prova ao longo do caminho, da sua passagem ou estada. São muitos os locais que atestam a presença/passagem com um carimbo. São 20 os espaços para carimbar (albergues, autoridades ou espaços de referência). No fim, será mostrado em Santiago para emissão do certificado oficial, a "compostela".